sexta-feira, 26 de agosto de 2011

.trem para Tessalônica.


Leia ao som de Milice - Foltin
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Eu não tinha planos de chegar em Tessalônica, mas o trem que me levaria pra tão sonhada Skopje tinha como destino final essa cidade grega. Eu tinha muito medo de não conseguir entrar em território macedônio por não ter um visto, simplesmente por não ter encontrado na Holanda ninguém que pudesse me dizer se eu precisava de um ou não, tinha um visto sérvio de dupla entrada e isso era tudo. Acreditava que de trem seria mais fácil atravessar a fronteira, e o destino final me acalmava "Qualquer coisa eu falo que estou indo pra Grécia, eu tenho permanência na união européia certo, e Grécia, ainda bem, faz parte da união". Minha companheira de viagem Sylvie, tinha seu passaporte francês, benditos franceses, entram em basicamente todos os lugares do mundo.Ainda não sabíamos o que faríamos se eu tivesse que voltar quando chegássemos na fronteira, eu dizia que ela deveria seguir viagem, eu voltaria sozinha e viajaria pela Servia, ela por vezes dizia que não me deixaria voltar sozinha, e outras vezes que talvez fosse, pois Dominique e Estelle já nos esperavam do outro lado, eu não queria pensar muito nisso, era demasiado dolorido e assustador.
O trem partiu ás 22h da estação de trem de Belgrado, era um trem dos anos 50 acredito, de estofado de couro marrom, cortinas amarelas e chão bege desbotado, bastante vazio, afinal o ônibus ia muito mais rápido, mas eu ainda acreditava que de trem tinha mais chances de atravessar a fronteira, e lá estávamos nos, nos vagões que seguiam para Tessalônica com parada em Skopje, diziam ainda que outros vagões chegariam em lugares ainda mais longínquos como a Turquia.
Eu não preguei os olhos durante toda a noite, querida Sylvie dormia esparramada de boca aberta como de costume, o que sempre me fazia rir, foi mais engraçado ainda quando um oficial da fronteira passou para pedir passaportes e viu ela nesse estado. Durante todo percurso eu escrevi e sonhei com com as ruas macedônias, pensava no brilho do olhar daquele que me inspirou a viagem quando falava de lá e nas pessoas que conheceria, eu sempre tive os pressentimentos mais doces em relação aquela jornada e só o pensar em não conseguir entrar me impedia de dormir por completo.
Foi então que as 5h da manhã alcançamos a fronteira, o trem parou, se desligou, e a espera de alguns minutos pelos oficiais me pareceu anos, podia ver a bandeira macedonia estiada reluzente quase em cima de nossas cabeças, e ouvir os passos lentos daqueles que decidiriam meu destino apartir dalí, acho que nesse momento já era possível para qualquer um ouvir as batidas do meu bombeador de sangue, vulgo coração.
O oficial não falava inglês praticamente e nossa comunicação foi marraconica, ele parecia meio retardado, anunciou para os outros outros poucos passageiros a minha nacionalidade e começou a falar "Ronaldo, futebol" insistidamente, várias vezes a rir como um boçal com um tom que soava tão ironico, eu me sentia em uma inspeção nazista durante a segunda guerra ou coisa que o valha, mas ao fim, ele parecia muito feliz com a minha visita, me deu um carimbo e desejou boa viagem, e o alivio, a alegria, nem dá pra verbalizar, Sylvie também sorria muito e logo dormiu de novo, eu não dormi nada, mas daquela vez era a euforia que não me permitia, saboreava cada metro de terra daquele país misterioso, era lindo, e o por do sol me veio dar bom dia acanhado passado alguns minutos.
Depois dos três dias mais genialmente longos de minha vida em Skopje, quando finalmente cheguei na Holanda, notei que no regresso esqueceram de carimbar minha saída do pais.
Acho que, verdadeiramente, nunca deixei a Macedônia.

Aj dali znaesh,
Pametish Milice, Koga si bevme malechki, Koga si bevme malechki Milice Koga se dvajsata ljubevme!

.Sakam te.
Assim que o trem começou a deixar a fronteira.
E o nascer do sol de minutos depois.









quarta-feira, 24 de agosto de 2011

.ensaio sobre viagens de bicicleta.

Leia ao som de Bicycle Race - Queen

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Pequenas, enormes, coloridas, floridas, fluorescentes, duplas, mono, normais, inusitadas, bizarras...
Na Holanda não existe tipo de bicicleta que não existe, entende? As famosas fiets como eles dizem. E apesar de toda planície nem sempre pedalar era a coisa mais fácil do mundo, em dias de ventania, que eram bem comuns por lá, eu sofria muito e minhas perninhas mais ainda, sem contar as grandes chances de ser derrubado pelo vento o que era um bocado assustador.
Em um dia ensolarado de domingo, porem, resolvi fazer uma bike trip, com a Alena, a menina tcheca que morava na rua de baixo. Nem foi assim uma viagem a lá Jules Vernes, fui apenas até Leiden, uma cidade 20 kilometros distante da minha, mas foi minha primeira e única e foi especial pra burro.
Levamos mais ou menos uma hora e meia pra chegarmos, paravámos para tirar fotos, apreciar moinhos de vento e canais, comer cenouras, tomar sorvetes nas sorveterias de pequenos vilarejos e conversar sobre nossas vidas na Holanda, sobre minhas peripécias no Brasil, sobre os verões em Praga de Alena. Era primavera, não fazia calor, mas o sol já começara a fazer um papel mais importante que apenas iluminar os dias de forma passiva, fomos por uma estradinha cheia de casinhas tipicas, fazendas, cavalos e ovelhas, e eu como sempre, quando no silêncio, me pegava imaginando a vida dentro de cada um daqueles universos, a sorrir.
Ao chegar em Leiden, nos juntamos aos outros trezentos e cinquenta mil ciclistas que circulavam pelas ciclovias da cidade, tinha um casal recém-casado saindo de uma igreja e convidados soltaram mais de cem bexigas coloridas ao ár quando eles desceram as escadarias, paramos em um café, visitamos um museu de arte egípcia e uma feira de rua, e é assim, varias fotos de memórias daquele dia solto no tempo, tão vivo na lembrança.
O regresso foi mais difícil, a temperatura tinha caído um pouco e o vento não estava ao nosso favor, em um momento quase já não sentia mais as pernas, mas era daquelas coisas impossíveis de se arrepender mesmo que fosse por um segundo.
Dormi cedo aquele dia, sorrindo como uma criança carregando um pacote de marshmallows.
Eu havia aprendido a andar de bicicleta faziam cinco meses então.


Obrigada Alena.

No meio do percurso.


terça-feira, 16 de agosto de 2011

.Holandês, a saga.

Eu comecei a estudar holandês mais ou menos um mês após ter chegado na terra dos moinhos, eram dois trams longe de casa ou 40 gorgeous minutos pedalando, na primeira vez fui de tram, desci no ponto errado, fiquei bem perdida e cheguei meia hora atrasada. EPIC FAIL. Apartir daí comecei a sempre ir de bicicleta e apesar da distancia esta aí uma coisa que me dá muita saudade, a cada semana escurecia mais tarde, ia chegando o verão, e no final ao chegar em casa, lá pelas 11h da noite ainda vi o corte laranja do sol lá no horizonte. Eu pedalava ouvindo musica, cantando e com uma sensação de liberdade tão tamanha, era muito bonito. O único problema era que com a chegada do verão muitas ciclovias ficavam enfestadas de mosquitos e eu tinha que pedalar com a boca bem fechada senão corria o risco de comer muitos deles, lembro de uma vez que um me atacou olho e ficou coçando pra burro.
 A família apoiava muito meus estudos, nunca chegavam atrasados do trabalho nesse dia, eu fazia o jantar, comia mais cedo, e partia, Suzanne estava sempre lá pontualmente as 18h me desejando boa aula a sorrir.
A escola de idiomas, a Volksuniversiteit, funcionava dentro de uma escola tradicional antiguissima que tinha um cheiro tão peculiar onde eu sempre me perdia pelos corredores.
A professora falou em ingles somente na primeira aula e depois nunca mais, era extremamente engraçado e assustador, mas com o tempo estranhamente eu comecei a entender, nunca havia imaginado ser possível. Deixei também de ser aquela analfabeta social, comecei finalmente a entender as placas, foi emocionante essa fase da minha vida lá.
 Na sala tinha todo tipo de gente, tinha o russo Dimitri (of course) que levava um dicionario gigantesco mesmo, o pedreiro bulgaro que sempre respondia coisas absurdas, o venezuelano misterioso que nunca explicava exatamente o que estava fazendo na Holanda (eu tinha certeza que ele era um assassino procurado em seu pais), a unica outra au pair que era das Filipinas que não entendia nada x nada x nada, não falava nem inglês e sempre aparecia nas aulas com a cara arranhada pela criança que cuidava, o italiano que entendia tão pouco quanto a filipina e sempre fazia uma cara de terror quando a professora fazia perguntas pra ele e o jardineiro que era sem duvida o mais inteligente da sala, entre outros personagens ilustres. Todas essas pessoas faziam minha quarta -feira anoite muito mais divertida, papo sério.
Para o ultimo dia de aula a professora pediu que levássemos algo do nosso país, eu fiz beijinhos e brigadeiros toda animada, só que chegando lá tínhamos que explicar em holandês, droga, mas acho que consegui, ao menos todos gostaram dos doces. Jenny WIN, e nesse dia quando cheguei em casa com meu diploma, eu e os país celebramos com champagne e eles me deram uma grana extra. Jenny WIN ao cubo.
Não consegui aprender Holandês de fato, tem palavras impronunciáveis e quando estava na Holanda achava o idioma extremamente horroroso portanto tinha uma certa bronca, mas estudei pra valer, em Outubro, porem, me estorvei e me desliguei do idioma, hoje em dia, no entanto, me esforço pra não esquecer uma só única palavra, pois sinto que é o meu mais forte souvenir daquelas terras, daqueles dias, é uma parte das minhas meninas, do sorriso de Suzanne, nas noites ensolaradas em mim, uma parte muito viva que posso falar, mesmo que sozinha, todos os dias e sorrir pelas ruas brasileiras.
Saudades...define. Ternura...é o que restou. 

Último dia de aula com as pessoas mais inusitadas ever.