quinta-feira, 12 de julho de 2012

Langwer com açucar e com afeto.



Era amor demais.

Fui duas vezes para o norte do país mais plano do mundo junto com a família.
Eram duas horas para atravessar boa parte do território nacional, em nosso carro lotado de ursos de pelúcia, pedaços de lanche e protetor solar.
Era uma casa infinitamente menor que a casa que morávamos em Nootdorp e incrivelmente mais bonita e aconchegante, a sala me dava a impressão de estar dentro de um barco, e de fundo com ela a impressão se tornava mais real, pois o canal era largo e a água seguia calma em  pequenas e delicadas ondas, tinha um barco atracado no pequeno píer, batizado de "animo", era da avó das crianças, havia sido dado pelo seu marido quando ela se recuperava de uma fase de fortes dores de cabeça.
A vida em Langwer era docemente contrária a tudo que vivíamos na cidade, tínhamos longos cafés da manhã, todos juntos, todo partilhado, todos tinham tempo de me ouvir por um longo tempo, tentar me ensinar mais holandês, as meninas acordavam e corriam nuas pela casa, pulavam na minha cama, brincávamos de rolar na grama, elas se amavam, nunca brigavam e brincávamos como se o dia nunca fosse terminar, nada de horários marcados, compromissos, pressa e lição de casa.
Amber e eu andamos um dia até o fim da cidade abraçadas, quase tropeçando em nossos próprios pés e tudo que me lembro é do riso dela sobre meus comentários cheios de devaneios sobre as vacas holandesas nos pastos.
Eu ganhei livros em Langwer, me deixaram escolher em um sebo mágico de um velhinho simpático e em uma tarde eu andei sozinha pela estrada observando os potrinhos deitados nos jardins das fazendas.
Hanna inventava brincadeiras cheias de historias e eu e Amber comprávamos todas, no fim do dia sempre apresentávamos para os pais mais um de nossos números inventados durante o dia, eles aplaudiam mesmo sem terem entendido nada, eu ria secretamente.
Tive coragem de pular junto com elas nas águas do canal, meus pés não alcançavam o chão, fiquei lá os abanando por um tempo relaxada dentro de um colete, fomos atrás dos patos para doar pequenos pedaços de pão, mas eles fugiam, era triste.
Fazíamos passeios com o "animo" quase todos os dias e parávamos nas margens para tomar chocomel com biscoitos Sultana e tentar mais uma vez alimentar os patos arredios.
Em uma noite de sol holandês fomos no  festival de argolas, casais vestidos em trajes do inicio do seculo passado  passavam correndo em carruagens antigas para tentar pegar argolas presas em uma mão de madeira, com uma especie de arma, eu juro, nunca entendi nada, mas achei demasiado incrível, em especial as carruagens puxadas por cavalinhos mini de crinas trançadas.
No último dia, fomos em um festival de balões, pessoas entravam naqueles cestinhos e partiam pelos céus em balões de todos formatos e cores, terminei o dia com um certo torcicolo de tanto olhar pra cima, não me arrependi.

Antes de partir pela segunda e última vez, Suzanne me pegou fitando o canal pela janela da sala enquanto todos se arrumavam pela casa:
- Dando uma última olhada para Langwer? - me perguntou com ternura
- Sim, e lá no fundo do coração fico torcendo para não ser a última vez. - respondi sem desviar o olhar da água calma que se despedia de mim tão quanto eu me despedia dela, eu me sentia tão longe de qualquer coisa ruim, ali, protegida, na sala barco sendo invadida pela serenidade do canal.

E mesmo que tenha sido a última vez, Langwer nunca se dissolveu em mim,  habita confortavelmente nas entranhas como um sonho bom em cores saturadas pelo sol de verão.

Como em um rabo de cometa, nas surpresas do tempo, nos presentes do passado.

Com muito açucar e afeto, dank je wel.




domingo, 1 de julho de 2012

.olhos azuis de melancolia.

eu encarei aqueles olhos de melancolia mais que uma vez, mais que duas, era sempre a mesma tristeza e a mesma vontade de chorar misturada com um certo desespero, não sei porque o dono dos olhos me confiou toda sua tristeza, eu tentei ajudar, mas era difícil, ele sentia, e eu quase que sentia junto, minhas palavras iam em ecos pelos céus, não sei se adiantavam, talvez os abraços sinceros adiantassem mais, eu sabia do futuro, que tudo ia ficar bem, queria que ele soubesse como eu sabia disso, mas não resolvia muito, ele porem continuou a confiar a mim sua tristeza, e eu minha certeza do amanhã mais doce.
andamos muito de trem, pela capital mais cobiçada do mundo, e não nos importava muito, gostávamos mais de falar de cidades mais ao leste e de pessoas mais reais, a cidade luz de fundo era apenas um pano cobrindo nossos sonhos  e nossas nostalgias partilhadas de estação em estação.
eu observava suas peripécias, tarde tirando fotos em frente a grandes vitrines de natal, com bonecos robôs e crianças deslumbradas, trabalhos de escola de fotografia, quitutes de rua de inverno, discussões e risos, muitos dele, ele me fazia rir muito, apesar de seus olhos azuis de malencolia quase todo o tempo, não que me fazer rir seja muito difícil, mas mesmo assim, fazia, alem de sua risada que poderia fazer qualquer um se sentir feliz só em ouvi-la...anyone but himself.
na última noite que o vi de verdade, sentamos no chão do banheiro de uma festa e colocamos tudo pra fora, com misturas de vinho e bebidas brasileiras feita por mim, eu também coloquei meus olhos, não azuis, mas de melancolia também e disse tudo que sentia sobre a vida e sobre a existência,  sobre aquela pseudo-vida maquiada de realidade que acabaria dentro de dois meses, falei escancarado do excesso do meu sentir sobre as coisas tantas, como eu sabia que ele vivia da mesma forma e por isso, naqueles meses e naquele exato momento o amava tanto por isso, o amava tanto, e então, eu mergulhei em todo aquele azul que me fitaram durante todo meu desabafo, ele não precisaria dizer nada, e disse mesmo muito pouco, mas me ouviu com toda certeza desse mundo, logo seria um oceano de distância e não mais algumas horas com uma fronteira invisível dessa união de países, meu olhos marejaram, um beijo na testa e de manhã ele já havia partido.
costumo acreditar que quando não pensamos mais tão forte por alguem essa pessoa também já não se lembra mais, e talvez quando eu lembre ele lembra junto, existem esses casos de aproximação humana, que se perdem no tempo, assim, simplesmente e invariavelmente, até poucas fotos ficaram, e os olhos já traduzem outras histórias em espaços geográficos tão distintos, não há nada que se possa fazer, ou se queira fazer, nem força que se compre, nem melancolia que se venda, e então, foi isso e aquilo.

Foi isso e aquilo.

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ao som de