Era amor demais.
Fui duas vezes para o norte do país mais plano do mundo junto com a família.
Eram duas horas para atravessar boa parte do território nacional, em nosso carro lotado de ursos de pelúcia, pedaços de lanche e protetor solar.
Era uma casa infinitamente menor que a casa que morávamos em Nootdorp e incrivelmente mais bonita e aconchegante, a sala me dava a impressão de estar dentro de um barco, e de fundo com ela a impressão se tornava mais real, pois o canal era largo e a água seguia calma em pequenas e delicadas ondas, tinha um barco atracado no pequeno píer, batizado de "animo", era da avó das crianças, havia sido dado pelo seu marido quando ela se recuperava de uma fase de fortes dores de cabeça.
A vida em Langwer era docemente contrária a tudo que vivíamos na cidade, tínhamos longos cafés da manhã, todos juntos, todo partilhado, todos tinham tempo de me ouvir por um longo tempo, tentar me ensinar mais holandês, as meninas acordavam e corriam nuas pela casa, pulavam na minha cama, brincávamos de rolar na grama, elas se amavam, nunca brigavam e brincávamos como se o dia nunca fosse terminar, nada de horários marcados, compromissos, pressa e lição de casa.
Amber e eu andamos um dia até o fim da cidade abraçadas, quase tropeçando em nossos próprios pés e tudo que me lembro é do riso dela sobre meus comentários cheios de devaneios sobre as vacas holandesas nos pastos.
Eu ganhei livros em Langwer, me deixaram escolher em um sebo mágico de um velhinho simpático e em uma tarde eu andei sozinha pela estrada observando os potrinhos deitados nos jardins das fazendas.
Hanna inventava brincadeiras cheias de historias e eu e Amber comprávamos todas, no fim do dia sempre apresentávamos para os pais mais um de nossos números inventados durante o dia, eles aplaudiam mesmo sem terem entendido nada, eu ria secretamente.
Tive coragem de pular junto com elas nas águas do canal, meus pés não alcançavam o chão, fiquei lá os abanando por um tempo relaxada dentro de um colete, fomos atrás dos patos para doar pequenos pedaços de pão, mas eles fugiam, era triste.
Fazíamos passeios com o "animo" quase todos os dias e parávamos nas margens para tomar chocomel com biscoitos Sultana e tentar mais uma vez alimentar os patos arredios.
Em uma noite de sol holandês fomos no festival de argolas, casais vestidos em trajes do inicio do seculo passado passavam correndo em carruagens antigas para tentar pegar argolas presas em uma mão de madeira, com uma especie de arma, eu juro, nunca entendi nada, mas achei demasiado incrível, em especial as carruagens puxadas por cavalinhos mini de crinas trançadas.
No último dia, fomos em um festival de balões, pessoas entravam naqueles cestinhos e partiam pelos céus em balões de todos formatos e cores, terminei o dia com um certo torcicolo de tanto olhar pra cima, não me arrependi.
Antes de partir pela segunda e última vez, Suzanne me pegou fitando o canal pela janela da sala enquanto todos se arrumavam pela casa:
- Dando uma última olhada para Langwer? - me perguntou com ternura
- Sim, e lá no fundo do coração fico torcendo para não ser a última vez. - respondi sem desviar o olhar da água calma que se despedia de mim tão quanto eu me despedia dela, eu me sentia tão longe de qualquer coisa ruim, ali, protegida, na sala barco sendo invadida pela serenidade do canal.
E mesmo que tenha sido a última vez, Langwer nunca se dissolveu em mim, habita confortavelmente nas entranhas como um sonho bom em cores saturadas pelo sol de verão.
Como em um rabo de cometa, nas surpresas do tempo, nos presentes do passado.
Com muito açucar e afeto, dank je wel.