quarta-feira, 19 de outubro de 2011

.ensaios sobre neve.

Leia ao som de Snow - Kokim Gumi

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O fim do verão na Holanda foi tão triste, todos os brinquedos de jardim das meninas foram recolhidos e guardados no porão, as pernas de pau, a piscina de plastico, as raquetes, as pistolas d'agua que eu tanto amava e qualquer outra coisa que havíamos usado todo o verão para nos divertir no grande jardim da casa na Spitfire 5.
As folhas das árvores se desprenderam todas, o canal que passava aos fundos da casa começou a congelar dia-a-dia, o sistema de aquecimento automático ligou finalmente, o chão se aquecia de forma uniforme, as roupas de verão das meninas foram pro sotão, a noite passou a nos visitar tão mais cedo, 5 da tarde já estava tudo escuro, todas as lampadas de nossas bikes foram revisadas e trocadas na bicicletária. Foi enfim todo um processo para irmos de uma estação a outra, os holandeses já estavam habituados e eu observava tudo aquilo como um grande espetáculo com sabor de uma vez só.
Havia dado no jornal que seria o inverno mais frio dos últimos mil anos, achei graça, não me abalei muito, na verdade esperava ansiosa pela neve, já a conhecia, mas queria muito ve-la novamente, já fazia tempo desde a ultima vez.
Um dia cozinhava contente enquanto as meninas assistiam tv na sala, olhei pela janela e vi o canal quase todo congelado, voltei aos meus legumes e quando olhei pela janela de novo, tudo estava branco como um pão doce de padaria, foi incrível como a danada chegou sorrateira, fui correndo pela casa para contar para as meninas a novidade, e nos três colamos nossas caras contra a janela para observar a neve rala e brilhante que caia leve sobre todas as coisas, foi tão bonita nossa alegria partilhada.
Nevou bastante nos dias seguintes, às vezes chovia e neve derretia toda, só ficava as placas de gelos escorregadias pelas ruas e sobre a cama elástica, depois nevava tudo de novo, diziam que eu tinha sorte, porque não era todos anos que havia tanta neve, às vezes toda aquela neve foi um problema enorme, tal como quando os trams paravam de passar e eu e as meninas tínhamos que ir pro centro de sport de inverno que era longe pra caramba, os holandeses ficavam enlouquecidos sem transporte público, eu via a hora que começariam a se estapear nas ruas do centro de Den Haag, por não saberem como lidar com o caos, mas mesmo assim,  neve é uma coisa que deixa qualquer adulto virar criança de novo e animava a gente com todo aquele frio, até meus hostparents, que eram as pessoas mais adultas que conheci na vida, se deixavam levar pela magia da neve.
Uma noite saindo de um restaurante depois de um jantar em família apos uma tarde no circo de Natal, eu os pais e as meninas iniciamos uma super guerra de bolas de neve, corríamos pelo estacionamento, nos escondíamos atras dos carros e riamos sem parar, nunca tinha brincado com todos eles juntos, os avós e os tios ficaram nos observando na escadaria do restaurante, nunca me senti tão parte daquela família como naquela noite. Entramos no carro tempos depois cheias de neve até as orelhas, caras vermelhas, rindo, sem necessidade de muita comunicação verbal, de rostos gelados e corações quentes.

Queria ter trazido um pouco de neve pra casa, mas me disseram que derreteria.

e da janela eu podia ver