quinta-feira, 1 de novembro de 2012

detalhes que me retornam quando eu ando de trem

a saudade é composta por um conjunto de flashes de memorias que nos podem atacar a qualquer horário do dia, no meu caso, principalmente, sentada no trem e às vezes até mareja os olhos.
as pessoas todas dessas memorias, nem devem saber o quão seus detalhes de gestos tão particulares me deixaram sobre as retinas da saudade.
E nem precisamos ter convivido tanto tempo, eu produzo saudade com facilidade, aos olhos da bondade e de um dia de sorriso partilhado, de gente que escreveu meu nome em pedaço de papel pra não esquecer, mas quiça tenha esquecido, não eu, e não me abala em  tanto as deficiências da mutualidade, dentro de mim as coisas vivem em paz, e em viagens, onde despedida era liquidação, os detalhes, esses eram essenciais da existência efêmera.
lembro-me de um olhar que passeava muito rápido junto com a velocidade do metro indo pelas estações, teve aquele beijo que era dado no ombro, a busca insistente das vestes de dormir por debaixo dos travesseiros, os bilhetinhos deixados sobre o balcão da cozinha, o riso incontido, as caras de susto mais engraçadas do mundo, os ataques de stress por bobagem e a risadaria mais tarde, um andar galante com ornamentos fantásticos dentro de um mistério tão bonito, a mesma escolha pelos mesmos sabores de sorvete todas as vezes, e giravam e  pulavam, suas roupas largas e suas meias em multicoloridades, sempre sem fazer par, a cantoria pelos corredores, seu cheiro de flores, seu sotaque engraçado, aquele jeito de fumar e de apertar os lábios com o polegar apos a primeira tragada, a risada de senhor de noventa anos mesmo sendo tão jovem, tão jovem, tão vivo.
Eu catalogo esses gestos, eu os imprimo na essência, eu os tento reproduzir em uma forma discreta de não apenas lembrar de todas essas pessoas, mas de vivencia-las em meus passos longiquos, ninguém precisa saber disso, embora agora talvez o saiba, mas eu as sinto pelos gestos particulares e a distancia se torna menos assustadora, enfraquecedora de relações e manipuladora das verdades presentes.
e o trem nunca deixou de me levar pra estação certa, mesmo que eu não consiga ver as formas que do lado de fora se apresentam devido aos pingos de chuva.

o amor nunca foi tão simples assim.

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ao som de Sigur Rós - Varðeldur

sábado, 22 de setembro de 2012

.bicicletando.

Dizem que na Holanda saber andar de bicicleta é fundamental.
 
E soube que isso era verdade quando vi que era necessário informar minhas habilidades com a tal no formulário de inscrição, a moça da agencia disse que a resposta negativa para esse item reduziria em muito as minhas chances de conseguir uma hostfamily.

Entrei em pânico, pois eu, nos meus 21 anos, realmente não sabia andar de bicicleta! Não sei o que me aconteceu na infância, deve ter sido algum tipo de autismo, só sei que pulei essa etapa da meninice.
Um grande amigo veio me ajudar a aprender então, segurava o banco pra mim e tudo, mas em um certo momento disse que apenas eu poderia conseguir, não adiantava mais, então sentou, e ficou me observando quase cair 72 mil vezes, mas eu não desisti, levantava e ia de novo e de novo e de novo até que não sei, bicicleta é essa coisa mágica, de repente as coisas dão certo e você sai realmente do lugar sem cair, a sensação é tão bonita, fiquei tão feliz que esqueci de freiar e fui contra a muretinha da quadra onde treinava, mas nem me importei, sorria de canto à canto.

Eu acordava cedo todos os dias para praticar, fizesse chuva ou sol, tinha pânico ainda de sair andando na rua, com o tempo passei a andar na rua da praça, mas nunca em lugares mais ousados.

Aí eu fui pra Holanda né, e acho que em menos de 24 horas após minha chegada eu já estava montada em uma bicicleta, o pais realmente tem mais bikes que pessoas de todos os jeitos, TODOS,  eu mesma tinha três bicicletas lá, incluindo a famosa bakfiets, bike de três rodas com uma grande caixa na frente onde eu levava as crianças, as compras, o lixo, tudo, ela era pesada, difícil de manejar, mas com o tempo aprendi as técnicas, ao fim eu a achava muito pratica, na realidade sinto muita falta dela, até mesmo quando tinha quatro crianças dentro, debaixo do frio, da chuva, ou da neve.


Historias micosas com bicicletas na Holanda, no entanto, é o que não me falta, não cheguei a cair, porque tinha tanto medo que ao invés de cair eu jogava a bicicleta longe e saia dela em pulos mirabolantes, mas cheguei a quase morrer quando perdi o controle da bakfiet em uma avenida ou quando atropelei a perna de uma moça que havia caído no chão a minha frente após ser atropelada pela au pair kid de uma amiga, quase atropelei turistas em Paris por esquecer que o freio era nas mãos e não nos pés como na Holanda, quebrei o pedaço de uma moto tentando passar a bakfiet em um lugar estreito e fugi sem dar satisfações incentivada pela menina mais velha e muitas outras infinitas gafes, os cara da bicicletaria me adoravam "lá vem a brasileira doida" certeza eles pensavam isso.

Em uma bicicleta também acho que vivi meus momentos mais lindos lá fora; já escrevi aqui antes sobre meus momentos comigo mesma adentrando ciclovias no meio do nada junto com a minha bicicletinha, meus passeios com as meninas do bairro às quintas para os ladies night, bike trips de Haag à Leiden, de Best à Eindhoven, cantando ou conversando sobre a vida, lado à lado com as minhas meninas conversando sobre nossas historias juntas, rindo e fazendo sinfonia com os sininhos de nossas bicicletas, voltando ouvindo música muito alto do curso de holandês às 23h vendo o risco laranja do sol no horizonte, pedaladas de verão em Amsterdam junto com Enora, atravessando Paris de Agosto com Antoine, me perdendo, me achando, conquistando o meu mundo tão universalmente particular.

Desde que voltei pro Brasil devo ter andado de bicicleta duas vezes no máximo, simplesmente não consigo, não consigo ter animo, ter vontade, me faz falta todo um mundo voltado para as bicicletas, onde elas são orgulho e não alvo de retalhação, grito de luta, não sei explicar, apenas penso que amanhã supero isso, mas o dia nunca chega.

Pra sempre dutch bicicletas aqui dentro do meu coraçãozinho errante.


domingo, 26 de agosto de 2012

ensaios sobre a tecnologia











Quando cheguei não entendi muita coisa direito, eram tantos dispositivos disso e daquilo que me senti automaticamente perdida, tá certo que o hostfather exagerava um pouco pois queria me explicar até como se usava o microondas, sempre me perguntei o que eles pensavam sobre minhas condições de vida no Brasil, já que no meu último dia Suzanne me perguntou se eu teria acesso à internet para mandar um email avisando que havia chegado bem, mas enfim.
A casa não tinha chaves, a entrada era pela leitura da impressão digital, uma vez brinquei dizendo que "já pensou fosse leitura ocular?" e o hostfather respondeu "sim, eu fiz o orçamento, mas era exorbitantemente caro" okay, okay, juro que me recusaria a morar em um lugar desse, ia me sentir demais em um filme de ação americano todos os dias.
Eu achava estranho que na dispensa eles só tinham a mangueira do aspirador de pó, cheguei até pensar "ao menos uma coisa deve estar errada", só que não, na realidade nas paredes tinham quadradinhos que quando abríamos começava a sugar, tudo que precisava fazer era colocar a mangueira lá e zas, não me perguntem pra onde esse bendito pó ia, me explicaram que tinha um compartimento em algum lugar da casa, mas eu preferia imaginar que ia pra um mundo paralelo.
As cortinas do corredor fechavam automático, eu gostava disso, sei lá me divertia apertar o botão e ve-las revelando ou escondendo o mundo lá de fora enquanto eu cruzava a casa.
A porta principal tinha travas elétricas automáticas, no inverno o chão se aquecia uniformemente, a luz do toillet acendia automático também, tava mal regulada então ficava escuro rápido, era ridículo ficar mexendo os braços sentadas no vaso, sério.
Na cozinha tinha máquina de café e chocolate quente, máquina de vapor pra cozir os legumes, forno, microondas, fogão elétrico, lava louças e uns 5 programas de iluminação diferente, eu nunca decorei  o certo, ficava apertando até achar o que queria, todos os dias.
Quando tocavam a campanhia o telefone tocava também, aí dava pra abrir a porta apertando sei lá que botão, mas isso não funcionava direito, isso só me irritava na realidade. Tinha uma câmera na sala, era legal ver a cara das pessoas esperando alguem abrir aquela porta gigante de vidro. A campanhia de inicio era o nome da família gigantescamente e aí ninguém sabia que aquilo era a campanhia e ficavam batendo no vidro, era meio estupido isso, ai eles trocaram pra uma normal.
A casa tinha um sistema de alarme irritante, um para quando não estravamos dentro da casa e outro pra quando estávamos, e em um ano apenas vi todos nos sendo vitimas dele, ele não ajudou em nada, resumindo, e cada visita por engano da segurança, que só chegava uma hora depois, custava cem euros, cem euros pra NADA, aí meus nervos.
Botões do panico, tinha também, é claro, segundo eles era só apertar a segurança vinha direto sem ligar antes pedindo a sequência de números. Bah, eu pensava, quem vai atacar essa casa? As ovelhas, as lebres, ou o falcão, ele sim, parecia suspeito e misterioso.

Uma noite acabou a luz, eu sozinha, claro, e toda essa tecnologia morreu, fácil assim, e eu dormi com a luz móvel da bicicleta acesa que havia me custado dois euros nas lojas Hema.

Obrigada.






quarta-feira, 22 de agosto de 2012

a mais velha.

- Eu não consigo dormir, posso dormir aqui com você?
- Tá, vem, deita aqui!

 E ela deitava, e ela dormia se eu cantasse, ela ficava arredia quando tinha medo, se fechava em um mundo particular, chorava doído de vez em quando mas na maior parte do tempo bancava a durona.
Sabia falar sobre tudo, tinha opiniões concretas sobre tudo quanto era coisa, sempre me surpreendia

- Você ama sua irmã certo?
- Amo muito Jenny e acho que ela tambem me ama, mas irmãs brigam, é assim não é?

Ela me lambia quando estava com saudades, sempre que me ligavam do carro ouvia sua voz chamando meu nome, tinha crises que nunca entendi tão bem, e chorou muito quando eu ri da sua boneca quebrada, me desculpei, eu juro.

- Qual sua estação do ano favorita, verão ou inverno?
- Não sei te responder isso, gosto das duas, o verão é legal porque tem piscina, mas o inverno é legal porque posso fazer bolas de neve, gosto das duas, não tem como responder isso.

Sabia ser independente, podia passar horas brincando com playmobils e outras horas lendo.

- Só mais essa página Jenny, só mais essa.

A gente brigou diversas vezes, de igual pra igual, ainda mais quando ela queria trapacear nos jogos, eu sempre brigava, até esquecia que era a adulta alí.

- Não vou mais brincar, você está me enganando - as regras em holandês me ludibriavam.
- Não estou não! Você que não sabe brincar.
- Você que não sabe, não quero mais.
- Okay, nunca mais brinco com você.
- Nem eu com você!
E saíamos as duas pra cada lado da casa, meia hora depois estávamos brincando de novo.

- Jenny você seria uma palhaço incrível.
Ela sempre dizia, sempre dizia que eu era louca também, mas em geral eramos loucas juntas.

- Jenny você é louca e eu sei, Jenny Penny Jennina Jenniperina
- Você é louca, você que é.

E rolávamos no chão ou algo parecido.

- Como nascem os bebes, você sabe?
- Claro que sei!
- Ah é como?
- As pessoas fazem sexo oras duh.
- Ah.... - eu com cara de nada, esperando o velho papo da cegonha sei lá.

Seus nove anos às vezes pesavam, ela não sabia o que fazer, quando estava muito perdida conversávamos e ela sempre tinha tanto a dizer, queria ter registrado tudo, como queria.

Ela nunca dizia eu te amo, ao contrário da mais nova, mais a mais nova dizia, menos ela queria dizer, eu fazia cocegas nela dizendo "eu te amo tanto, tanto, tanto", ela somente ria e dizia "você é louca e eu sei"

Nos últimos meses ficou fria, sempre lembrava pra todo mundo que estava indo embora, tratava do assunto com ironia e um certo desdem...ás vezes queria me machucar, parecia, esquecer, se proteger.

Quando parti,  foi quem mais chorou, quem mais chorou...


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Eu te amo pra sempre pelo melhor e único ano juntas de nossas vidas, pequena.


segunda-feira, 6 de agosto de 2012

uma noite nos museus

Fui-me, embarquei-me, cheguei em solo holandês, senti frio, senti medo, foi a semana mais longa da minha vida, não me esqueço, ainda em São Paulo fazia planos pro próximo fim de semana, tinha uma vida tão ativa na minha terrinha e tinha medo de um certo marasmo holandês, era estranho programar planos corriqueiros para uma vida tão completamente avessa que já seria minha na próxima semana. Encontrei! Noite do museu em Rotterdam, relativamente bem perto de onde iria morar, então ao fim de minha primeira mais longa semana da vida, peguei o trem e parti para a tal noite, sozinha, pois nenhum dos meus ainda três contatos no país estava afim de passar a madrugada fria de março andando em museus, claro.
Solidão não é problema, ainda mais em museus, em geral companhias me irritam mais que agradam, pra ser bem sincera, sem querer ser chata nem nada, mas eu nunca sei calcular velocidade dos passos em museus quando estou com outras pessoas, e quando encontro alguém que vai no mesmo ritmo encho o saco da pessoa para irmos sempre juntas e ela acaba ficando com medo de mim, exagero gente, serio!
O sistema era simples, o ingresso era um botom que acendia luzes piscantes e desde que você ficasse com aquilo bem preso seria identificado como participante do evento, paguei acho que uns dez mangos e lá fui andar pela noite escura de Rotterdam com um mapa de museus e isso era tudo.
Pelas ruas tudo que se via eram pessoas com pontos brilhantes no peito, eram minhas primeiras impressões daquele povo peculiar que iria conviver durante um ano inteiro.
Teve uma abertura muito excêntrica na praça central, onde crianças jogaram ao àr balões e tudo, e depois todo mundo foi se espalhando, tinha museu pra caramba de tudo que era assunto e em um curto tempo-espaço, e em cada museu tinha eventos e pessoas e coisas excêntricas, lembro dessas moças no museu de Historia que ficavam pedalando uma bike atrelada ao um tear e então bolsas iam sendo produzidas, e elas davam as bolsas pras pessoas, lembro de um cover do Elvis no museu Naval, de um show muito coisa de outro mundo em frente ao mesmo museu, o vocalista usava sapatos enormes e gritava muito e tudo era assim, intenso demais.
Já batia as 4 da manhã e eu sentia muito sono e frio, decidi voltar pro hostel que havia feito questão de me hospedar pois ficava nada mais nada menos que nas incríveis casas cubiculares de Rotterdam, tudo era meio torto e ao acordar  tive vertigem seguida de náusea mas foi divertido, te juro. rs
Voltei pra Haia, cheguei em casa por volta das 14h, os hostparents me chamaram pra bater um papo.
- Percebemos que você gosta de museus! Sozinha no inverno e tudo.
- Sim, eu gosto um bocado.
- Então toma, pegue esse dinheiro e faça essa semana mesma um cartão anual!

Foi um dos melhores presentes, nunca o desprendimento me foi ruim afinal.

Rotterdam, das mais modernas cidades holandesas, reconstruída apos bombardeio de 1940

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Langwer com açucar e com afeto.



Era amor demais.

Fui duas vezes para o norte do país mais plano do mundo junto com a família.
Eram duas horas para atravessar boa parte do território nacional, em nosso carro lotado de ursos de pelúcia, pedaços de lanche e protetor solar.
Era uma casa infinitamente menor que a casa que morávamos em Nootdorp e incrivelmente mais bonita e aconchegante, a sala me dava a impressão de estar dentro de um barco, e de fundo com ela a impressão se tornava mais real, pois o canal era largo e a água seguia calma em  pequenas e delicadas ondas, tinha um barco atracado no pequeno píer, batizado de "animo", era da avó das crianças, havia sido dado pelo seu marido quando ela se recuperava de uma fase de fortes dores de cabeça.
A vida em Langwer era docemente contrária a tudo que vivíamos na cidade, tínhamos longos cafés da manhã, todos juntos, todo partilhado, todos tinham tempo de me ouvir por um longo tempo, tentar me ensinar mais holandês, as meninas acordavam e corriam nuas pela casa, pulavam na minha cama, brincávamos de rolar na grama, elas se amavam, nunca brigavam e brincávamos como se o dia nunca fosse terminar, nada de horários marcados, compromissos, pressa e lição de casa.
Amber e eu andamos um dia até o fim da cidade abraçadas, quase tropeçando em nossos próprios pés e tudo que me lembro é do riso dela sobre meus comentários cheios de devaneios sobre as vacas holandesas nos pastos.
Eu ganhei livros em Langwer, me deixaram escolher em um sebo mágico de um velhinho simpático e em uma tarde eu andei sozinha pela estrada observando os potrinhos deitados nos jardins das fazendas.
Hanna inventava brincadeiras cheias de historias e eu e Amber comprávamos todas, no fim do dia sempre apresentávamos para os pais mais um de nossos números inventados durante o dia, eles aplaudiam mesmo sem terem entendido nada, eu ria secretamente.
Tive coragem de pular junto com elas nas águas do canal, meus pés não alcançavam o chão, fiquei lá os abanando por um tempo relaxada dentro de um colete, fomos atrás dos patos para doar pequenos pedaços de pão, mas eles fugiam, era triste.
Fazíamos passeios com o "animo" quase todos os dias e parávamos nas margens para tomar chocomel com biscoitos Sultana e tentar mais uma vez alimentar os patos arredios.
Em uma noite de sol holandês fomos no  festival de argolas, casais vestidos em trajes do inicio do seculo passado  passavam correndo em carruagens antigas para tentar pegar argolas presas em uma mão de madeira, com uma especie de arma, eu juro, nunca entendi nada, mas achei demasiado incrível, em especial as carruagens puxadas por cavalinhos mini de crinas trançadas.
No último dia, fomos em um festival de balões, pessoas entravam naqueles cestinhos e partiam pelos céus em balões de todos formatos e cores, terminei o dia com um certo torcicolo de tanto olhar pra cima, não me arrependi.

Antes de partir pela segunda e última vez, Suzanne me pegou fitando o canal pela janela da sala enquanto todos se arrumavam pela casa:
- Dando uma última olhada para Langwer? - me perguntou com ternura
- Sim, e lá no fundo do coração fico torcendo para não ser a última vez. - respondi sem desviar o olhar da água calma que se despedia de mim tão quanto eu me despedia dela, eu me sentia tão longe de qualquer coisa ruim, ali, protegida, na sala barco sendo invadida pela serenidade do canal.

E mesmo que tenha sido a última vez, Langwer nunca se dissolveu em mim,  habita confortavelmente nas entranhas como um sonho bom em cores saturadas pelo sol de verão.

Como em um rabo de cometa, nas surpresas do tempo, nos presentes do passado.

Com muito açucar e afeto, dank je wel.




domingo, 1 de julho de 2012

.olhos azuis de melancolia.

eu encarei aqueles olhos de melancolia mais que uma vez, mais que duas, era sempre a mesma tristeza e a mesma vontade de chorar misturada com um certo desespero, não sei porque o dono dos olhos me confiou toda sua tristeza, eu tentei ajudar, mas era difícil, ele sentia, e eu quase que sentia junto, minhas palavras iam em ecos pelos céus, não sei se adiantavam, talvez os abraços sinceros adiantassem mais, eu sabia do futuro, que tudo ia ficar bem, queria que ele soubesse como eu sabia disso, mas não resolvia muito, ele porem continuou a confiar a mim sua tristeza, e eu minha certeza do amanhã mais doce.
andamos muito de trem, pela capital mais cobiçada do mundo, e não nos importava muito, gostávamos mais de falar de cidades mais ao leste e de pessoas mais reais, a cidade luz de fundo era apenas um pano cobrindo nossos sonhos  e nossas nostalgias partilhadas de estação em estação.
eu observava suas peripécias, tarde tirando fotos em frente a grandes vitrines de natal, com bonecos robôs e crianças deslumbradas, trabalhos de escola de fotografia, quitutes de rua de inverno, discussões e risos, muitos dele, ele me fazia rir muito, apesar de seus olhos azuis de malencolia quase todo o tempo, não que me fazer rir seja muito difícil, mas mesmo assim, fazia, alem de sua risada que poderia fazer qualquer um se sentir feliz só em ouvi-la...anyone but himself.
na última noite que o vi de verdade, sentamos no chão do banheiro de uma festa e colocamos tudo pra fora, com misturas de vinho e bebidas brasileiras feita por mim, eu também coloquei meus olhos, não azuis, mas de melancolia também e disse tudo que sentia sobre a vida e sobre a existência,  sobre aquela pseudo-vida maquiada de realidade que acabaria dentro de dois meses, falei escancarado do excesso do meu sentir sobre as coisas tantas, como eu sabia que ele vivia da mesma forma e por isso, naqueles meses e naquele exato momento o amava tanto por isso, o amava tanto, e então, eu mergulhei em todo aquele azul que me fitaram durante todo meu desabafo, ele não precisaria dizer nada, e disse mesmo muito pouco, mas me ouviu com toda certeza desse mundo, logo seria um oceano de distância e não mais algumas horas com uma fronteira invisível dessa união de países, meu olhos marejaram, um beijo na testa e de manhã ele já havia partido.
costumo acreditar que quando não pensamos mais tão forte por alguem essa pessoa também já não se lembra mais, e talvez quando eu lembre ele lembra junto, existem esses casos de aproximação humana, que se perdem no tempo, assim, simplesmente e invariavelmente, até poucas fotos ficaram, e os olhos já traduzem outras histórias em espaços geográficos tão distintos, não há nada que se possa fazer, ou se queira fazer, nem força que se compre, nem melancolia que se venda, e então, foi isso e aquilo.

Foi isso e aquilo.

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ao som de

segunda-feira, 25 de junho de 2012

.diálogos possíveis.

Sylvie e eu estávamos perdidas no centro de Belgrado, queríamos chegar no museu do Tesla, começamos a perguntar no ponto de ônibus abarrotado se alguem falava inglês para nos ajudar porem estávamos tendo um pouco de dificuldade, diga-se de passagem, quando então um senhor, de face redonda e simpática, se aproximou, começou a falar com a gente, nos colocou dentro de um ônibus, subiu junto, falou que nos ajudaria, explicou como chegar no museu, que estava indo pro mesmo lado e então nos levaria até lá, contou de sua família, seus filhos, que seu filho falava francês, inglês e tudo, mas português não, falou sobre a cidade, falou sobre o tempo também, comentou do Tesla e como o museu era legal, apontou as principais ruas e avenidas, nos deixou na porta do museu mesmo, e ainda, quando perguntamos onde poderíamos achar um cyber café nos deu todas as coordenadas de como chegar em um, se despediu muito feliz e sorridente, e então partiu, pelas ruas charmosas da maior cidade da antiga Iugoslávia.

O senhor não falava nada alem de sérvio.
Nós não falávamos nada em sérvio.

Diálogos possíveis

Museu do Forte da cidade de Beograd


domingo, 27 de maio de 2012

a ligação

Trocamos poucos emails, sempre com um excesso de cordialidade formal, primeiro vieram algumas fotos da casa e da família que eu certeza devo ter olhado mais de 365 vezes, mostrei pro pai, irmão, pros amigos, pra vizinha, e como disse, pra mim mesma, muitas vezes ao dia, era um ínicio de uma ideia que começava a ganhar uma forma alucinante e ao mesmo tempo um bocado assustadora.
Então chegou o dia de uma entrevista por telefone, combinamos as 16h, horário de Brasília e desde as 15h eu comecei a passar mal de ansiedade, às 10 para as 16h eu estava tão nervosa, minha boca ficou tão mais tão seca que meus lábios praticamente colaram nos dentes, e deu 16h - jenny abraçando as pernas, e deu 16h10 e jenny olhando o telefone tão fixadamente acho que essa coisa de piscar nem existia mais, e deu 16h30 - jenny bebendo muita agua pra separar os labios dos dentes, deu 17 - jenny em posição fetal triste por ter sido negligenciada, esquecida, porque jenny é muito dramática.
Resolvi mandar um email, minha vontade era dizer "EEEEEEEI POR QUE ME ESQUECERAM?? EU TO MORRENDO POR DENTRO DE ANSIEDADE" mas apenas disse "Boa tarde, percebi que não tiveram como me ligar, aconteceu algo?" e fui me arrumar para sair, meu pai ofereceu uma carona, fechei a porta da sala, antes mais uma olhadela no telefone "é esqueceram mesmo". Desci correndo as escadas, e quando ia alcançar o automóvel escutei, sim o telefone tocava, berrava, me chamava insistidamente, sabia que eram eles, e eu nem sabia quem eram eles, que seriam meus comparsas, cúmplices de uma família por um ano inteiro...corri de volta, pedi desculpas ao meu pai, abri tudo correndo, esbaforida, atendi e assim foi, a uma hora e meia de conversa que mudaria minha vida para sempre, com aqueles que haviam se confundido com o fuso-horário e não haviam me esquecido, uma conversa que me abriu um mundo, dez anos em um, me levou a vida dessas pessoas que acreditaram em mim mesmo quando disseram o contrário, e achavam bonito eu querer ser palhaça e professora e cineasta tudo ao mesmo tempo, que me irritaram e até chatearam algumas vezes, mas que me aceitaram e me deram chocolate quente no minuto em que cheguei e me amaram da forma deles de amar, em tardes na praia com o céu em tons de azul e rosa, e que mesmo hoje, tanto tempo sem nos vermos, e mesmo pouco nos falarmos, eles estão por aí, ainda fazendo parte de tudo e me fazendo marejar os olhos de quando em quando...de tantas saudades.
Em realidade existem muitas palavras, mas eu nunca vou conseguir explicar nada direito...

A time it was
It was a time
A time of innocence
A time of confidences


Long ago it must be
I have a photograph
Preserve your memories
They're all that's left you
:ó)

domingo, 13 de maio de 2012

Marselha e os dois dias

Entrei em um bar colorido de cunho esquerdista estudantil que vendia coisas alternativas e biológicas, o muffin era de couve, por exemplo, o moço por trás do balcão de Cabo Verde, mas nada de falar português, "na França falamos francês", brincava ele. Na verdade tinha crescido em terras francesas e de casa só aprendera o crioulo e os dotes culinários da mãe, que exibia com gosto para os fregueses do bar.
A menina querida que me recebeu na cidade, brilhou pela primeira vez em minha vida em uma tarde ensolarada na Vida Madalena, hoje, em Marselha, tenta montar sua própria companhia de teatro.
Éramos duas a viajar pelo sul das terras de Baudelaire, eu e minha amiga de Bogotá, que só faltávamos correr e dar pulo lateral por estarmos sentindo de novo um senso de realidade que nos fazia lembrar tão vivamente de nossa latino América.
A francesa de coração brasileiro nos foi preciosa guia turística, nos ofereceu um café da manhã francês em sua colorida sala de estar. Na noite anterior jogos teatrais, membros de sua família. Na manhã um mercado de pulgas onde se encontrava de tudo e mais um tanto.
Na ultima noite um jantar brasileiro, pão de queijo, feito com polvilho comprado no Brasil, receita escrita em português de Portugal, difícil de entender, mas deu certo, eu acho.
No fim da noite Capoeira, Brasil mandava um grande beijo terno.
Teve também um terraço muito ensolarado, um menino querido que nos ofereceu café mesmo depois de invadirmos sua casa, sabonetes tradicionais da região, ruas árabes e lojas com tantos temperos que faziam coçar o paladar, lojas apinhadas de poster de cinema, ruas estreitas e peças teatrais de rua, ao acaso.
De meus dois dias de Marselha levei pra memoria as cores quentes, os sons de revoltas trabalhistas, um charme de caos, a luz que brilha intensa chega cega, a realidade viva das coisas imperfeitas e inrotuladas, uma menina que me agradecia a cada gesto e outra que aparece na minha vida de quando em quando, com olhos verdes de saudosismo partilhado e uma flor vermelha no cabelo.

quinta-feira, 10 de maio de 2012

Amor gitano



As pessoas são invisíveis, até que nos demos conta do contexto social e histórico delas.

 Eu fui pra Europa sem saber quem eram os povos Roma, e de repente eles invadiram minha realidade por completo, logo depois que fui pra Macedônia e Dominique me falou tanto sobre eles, antes disso eles me passaram despercebidos.
No Brasil também temos os Roma, mas aqui os chamamos de ciganos, creio que os nossos ciganos são de origem espanhola e na Espanha eles são chamados de gitanos, a imagem que temos deles é daquelas moças com dente de ouro e vestido cheio de cores, que pedem pra ler nossas mãos e podem até mesmo nos levar os anéis, mas em realidade os Roma estão em toda a Europa e em cada lugar eles assumiram uma posição diferenciada, eles são muito comuns na Europa leste, na Macedónia, por exemplo, existe um bairro suburbano de maioria cigana, Choutka, que fui visitar em meu último dia lá, casas humildes e coloridas, cheias de hospitalidade e conversas,  mas todos eles tem essa vontade, devido a miséria, de migrar pra França, Bélgica, Alemanhã e assim vai, e muitos o fizeram, mas as leis de imigração são muito pesadas com eles, os Roma são marginalizados e esquecidos e indesejados por muita gente, ninguém sabe ao certo a trajetória deles, sabe-se que vieram da India por volta de mil anos antes por razões desconhecidas, e esse povo retirante, difícil de se compreender, que falam muitos dialetos, iam assumindo diversas caracteristicas do local encontrado, mantem a pele morena das Índias, e a habilidade para tocar instrumentos como ninguém, no leste são convidados para tocar e dançar em festas de casamento, mas são escorraçados de ônibus de viagens, eu mesma vi acontecer no ônibus que peguei de Skopje para Belgrado, é uma realidade triste, mas cheia de intensidade e mistério. São um bocado paradoxos, tem um sistema de defesa que pode ser hostil, mas a beleza de suas canções me arrepiam a alma, em minha ultima passagem por Bruxelas, encontrei um grupo que tocava em frente a estação, eu contribui com alguns euros e os fotografei, ao sair fui maltratada por um deles que não viu que eu havia já dado alguns euros e esses são os Roma, pessoas difíceis, mas encantadoramente talentosas.
Tony Gatlif, um cineasta Roma de origem argelina erradicado na França fez diversos filmes tentando captar a essencia dos ciganos, e foi no filme Latcho Drom que ele fez o mesmo trajeto dos retirantes começando lá na India subindo até chegar na Europa oeste, e é um filme que me tirou o sono e inquietou o pensamento por muitos dias.
Quando visitei Choutka, passei uma tarde com uma família Roma, junto com Dominique, Estelle e Sylvie, eles nos ofereceram café e chá e biscoitos, e o patriarca da família falou muito macedônio, idioma comum entre ele e Dominique, ele falava nos olhando nos olhos enquanto Dominique traduzia tudo para um francês muito rápido, ou seja, a brasileira ficou em certa desvantagem, mas captei a essência das coisas, maior parte do tempo quis brincar com o neto dele, e brincamos verdadeiramente muito, sem o uso de uma única palavra sequer, naquela tarde eu tive a certeza, eu nunca mais irei brigar e ter rancor por coisas pequenas, e mesmo se o fizer, me sentirei muito mal por isso, não faz o minimo sentido, relações humanas são importantes demais pra isso e aquela foi uma das tardes mais gratificantes de todo meu ano europeu, ter feito rir uma criança que não entederia nenhuma palavra que dissesse.

Deixo vocês com as minhas cenas favoritas de Latcho Drom, pra que possam entender um pouco a essência dos retirantes da Índia, dessa constante diáspora cheia de cores e canções.

Começando onde tudo começou, com a dança fascinante das meninas indianas.


Passando pela Europa Leste com a incrivel Taraf de Haidouks

 

Uma parada de trem na Hungria, sem duvida uma das minhas cenas favoritas de todo filme

 
 


E terminando com a canção apaixonada e triste dos gitanos, enquanto muito deles são retirados das habitações que ocuparam e as portas e janelas são seladas com tijolos e cimento.

 
 


¿Por qué me escupes en la cara?
Qué más te podía hacer ser yo
que por ser morena y gitana?


Os roma instrumentistas de Bruxelas



A família Roma de Choutka (:
















domingo, 6 de maio de 2012

sombra de pernas e aros

Leia ao som de Andvari - Sigur Rós

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Em dia ocioso de sol, minha bicicleta vermelha e eu eramos inseparáveis, com ela eu descia pro lado direito, e direito outra vez, caía na ciclovia que encontrava de fundo com nossa casa, seguia pro esquerdo, passava pela pequena fazenda e suas ovelhas gordas de olhar curioso, adentrava o mundo paralelo do centro de reabilitação para pessoas com necessidades especiais, sempre cruzava um ou outro interno em suas bicicletas tão especiais quanto eles, eles sempre me diziam um olá fascinado, seguia, pegava a rua de casas ponteadas, assim como a Holanda era nas pinturas de minha infância, com direito a estatuas de campesinos e moinhos em miniatura, às vezes descia a ciclovia a esquerda, mesmo caminho pros campos de hockey, e foi lá que pela primeira vez consegui pedalar sem nenhuma das mãos, com ajuda do vento, mas na maioria das vezes apenas seguia em frente e então as casas terminavam e me encontrava em um mundo onde existiam apenas eu, a ciclovia, a bicicleta, vastos campos verdes, a sombra do meu pedalar entre aros refletida no chão, minhas canções, meus devaneios, a eloquência dos sonhos, a incompreensão do existir efêmero em tantas partes, de risos ecoados por toda cidade, de lágrimas com cor de travesseiro, medos e anseios cuspidos entre ausencia de cores, excesso de sentidos, epifanias atravessadas no nó na garganta e novas versões de mim em cada tintilar dos aros de minha bicicleta. Entrava então na ciclovia ladeada de altas e frondosas árvores, creio que minha ciclovia favorita em todo país, raios de sol entre a folhagem, me faziam acreditar na belevolencia do estado das coisas. Não consigo me lembrar de sensação de liberdade, de isenção, permissão de mim para mim mesma mais real do que essa, até hoje se fecho os olhos ainda posso ver, ainda posso ver, ainda posso...ainda.


um dia de fotos em Nootdorp



segunda-feira, 30 de abril de 2012

Peripécias culinárias dos 365 dias - Parte I

Foram 365 dias morando na Europa, e foram 365 almoços, 365 jantas, cafés da manhã, tarde, snacks, quitutes e o que seja, e esse post, que sem dúvida será dividido em muitas partes, vai decorrer sobre tudo que comi, experimentei, e até mesmo sobre aquilo que me ofereceram mas não rolou de aceitar. Esse festival de cores, sabores e algumas bizarrices culinárias que sem dúvida é um dos pontos essenciais de qualquer boa viagem que se preze. Boa Apetite.



Bitterballen - snack tipico holandês, vende em qualquer lugar e eu amava, crocante pra burro por fora, cremoso por dentro e essa coisa cremosa de dentro nunca descobri ao certo o que era, só sei que em geral estava muito quente e todo mundo queimava a língua de inicio, Suzanne sempre me advertia, lembro com carinho. Existe umas versões maiores dos bitterballen, chamavam de croquette e comiam em geral dentro do pão, afinal, o que holandês não poe dentro do pão, vamos ser sinceros. rs




Faisselle com geléia - tipica sobremesa francesa, ao menos era assim na casa de Antoine, e eu amo cem por cento, faisselle nada mais é que queijo fresco cru, e aí é só acresentar sua geléia favorita e zas, e pocha, geléia na França é uma das melhores coisas do mundo, muito amor. Lembro que uma vez de retorno em Paris escrevi uma msg de txt pro Antoine quando partia da estação de Haia "pode comprar faisselle e geléia que eu to chegando amanhã cara" (: E não é que ele comprou mesmo e em três dias acho que comi tudo. rs


Salada Shopska - Essa salada é a melhor salada do mundo, acredite, muito famosa nas regiões balcânicas, comi na Macedônia e me apaixonei pra sempre, o elemento chave é o queijo grego, ou feta, nome mais popular na Europa, um queijo azedinho que caí deliciosamente bem com o tomate, a cebola e o pepino. Cheguei a reproduzi-la na Holanda pra minha família, porque queijo feta vendia no supermercado do bairro, aqui no Brasil só no mercadão, ainda não tive essa coragem alem que deve ser caríssimo, mas aceito de presente.





Pão com manteiga e flocos de chocolate - sabe quando você é criança e faz misturas bizarras e se acha muito descolado, todo mundo te acha muito esquisito e enfim, na Holanda essa sua invenção pode ser uma tradição, tanto no café da manhã ou no almoço é comum comer pão de forma com manteiga e flocos de chocolate, no começo eu achava meio estranho, mas me apaixonei com o tempo, também tem a versão pão com granulado, os famosos hagelslag (duvido você conseguir falar isso), granulados coloridos, umas bolinhas coloridas também, e até pão com manteiga e um tipo de biscoito dentro é bem apreciado pelos amigos holandeses. Minha marca favorita para os flocos era De Ruijter, se alguém quiser me mandar uma caixa aceito também! (:


Waffles Belgas com Nutella ou Chantilly ou Sorvete - ás vezes penso, eu voltaria na Europa, primeira coisa que comeria seria um waffle belga com nutella derretendo em cima, a gente até pode encontrar isso aqui em alguma loja cara que o valha, mas nada se compara com a graça de parar em um trailler de waffle no centro de Bruxelas como se fosse o tio do hot dog e ver o cara marrentinho fazer o waffle na hora em uma forma velha, isso sim é vida transbordando, e aí vem o waffle quente com a nuttela derretendo lentamente e você vai morrendo de alegria, as versões com sorvete e chantilly tambem são matadoras. I heart waffles forever!




Hutspot - Nunca me esqueço quando Suzanne me disse que ia fazer um prato típico holandês pra mim, me pediu para ajuda-la amassando as batatas, o tal prato, nada mais era que batata amassada, misturada com uma folhagem que tinha um cheiro acentuado de mato acompanhado por um salsichão enorme. Não era a coisa mais gostosa do mundo, mas dava pra comer e enchia bem e dava pra entender através desse prato como os holandeses tinham que ser criativos com as batatas em tempos de guerra "vamos amassar e colocar mato? Bora!" 




Arroz com nozes - Eu e Yara tínhamos nosso tradicional almoço às sextas-feiras, eu vinha com elementos do jantar da noite anterior e ela sempre trazia alguma coisa de casa, os almoços foram ficando tão tradicionais até o dia que ela nos convidou para ir almoçar na casa dela e ou quando fez um almoço especial porque até a avó das meninas foi convidada, e lembro que tivemos de comer no sótão porque na cozinha estavam consertando alguma coisa, foi um almoço único com sobremesa holandesa, minha querida torta de maça com chantilly. Um dos pratos ápice da Yara era um arroz delicioso com nozes árabe, que ela trazia a receita lá da sua mama no Egito, tinha um gosto doce, parecia canela, não sei ao certo, mas era salgado e levemente apimentado também, eu amava muito, tudo que Yara fazia era muito delicioso, comida de verdade sempre. Saudade dói.



Torta de maça holandesa com Chantilly - mencionada no tópico anterior, a torta de maça com chantilly (appeltaartke met slagroom) é minha grande história de amor culinária com a Holanda, especialidade de Suzanne, uma tradição passada de geração em geração em sua família, nenhuma torta em toda a holanda era melhor que a dela, eu experimentava em todo lugar e nunca encontrava, fazia questão de dizer isso pra ela e portanto sempre que ela fazia uma vinha me contar toda contente, ganhei uma especial no meu aniversário inclusive, e no verão ela fez as tortas com maças colhidas no jardim, muito amor. A menina mais nova não gostava da torta e eu e a mais velha ficávamos sempre chocadas de como ela conseguia rs. A torta de maça holandesa é bem simples de fazer,  a massa que deve ser mais difícil, mas era só comprar pronto, embora eu tenha pedido a receita original pra vóva das meninas, dentro era só colocar a mistura de maça, com açucar, uvas-passas e canela, tudo dentro das medidas perfeitamente holandesas, o cheiro enquanto ela estava sendo assada  me matava, eu tinha vontade de lamber o vidro do forno ou algo assim, depois servir sempre com chantilly fresco e um copão de chocomel fechava o festival de deliciosidade que era essa torta. Como na Holanda eles são bem comedidos com comida, todo momento de torta era um pedaço só por pessoa, o que me ensinou a saborear as coisas com muito mais intensidade. Eu e torta de maça holandesa, é pra sempre, e nossas reuniões familiares pra saborea-la é uma fotografia bonita na memória do tempo.



Fecho esse post com minha amada torta, outros tantos ainda virão! Não esqueçam o guardanapo na próxima.

Eet Smakelijk !!! (o:








terça-feira, 24 de abril de 2012

eu sentei e chorei, então.

Crianças, esta aí uma coisa complicada de entender, o mundo delas é muito avesso ao nosso, é preciso descer muitos degraus na realidade pra assimilar, elas brigam por coisas aparentemente muito estupidas, mas aí temos que nos colocar no lugar delas, entender que sim, sentar no bichinho de pelúcia é um crime horrendo, criar favoritismos bestas, por qualquer detalhe é uma crise de horas, sentar do lado de uma e não de outra pode desencadear a próxima guerra mundial ou coisa que o valha.


Minhas kids holandesas brigavam por praticamente tudo, ainda mais na época da escola, acho que elas descontavam todas frustrações brigando uma com a outra, no começo era ainda mais difícil, elas descontavam a frustração de terem uma nova au pair que nem iam muito com a cara em discussões completamente sem fundamento, certeza pra fazer a minha vida mais difícil, afinal eu estava no lugar daquela que elas já gostavam tanto.


Eu pensava que em algum momento seria fácil lidar com essas brigas, que um dia eu estaria sobre controle de tudo, mas isso era uma ilusão, cada briga tinha uma natureza diferente, e em todas eu tinha que resolver de forma diferente, esta certo que usar a televisão dava muito certo, ou premiações em doce, mas muitas vezes nem isso. O que aconteceu no entanto depois de um tempo era que eu já discutia com elas de uma forma mecânica, sabia tudo que ia acontecer, e quando elas brigavam fazia de tudo pra elas se entenderem, pois apesar de todo ódio cuspido no momento de raiva, o amor entre elas era inimaginável, quando eu aprendi a falar holandês ficou ainda mais divertido, brigar em holandês é o supra sumo da briga, impor regras e tudo isso, você se sente the king of the world, porque o idioma é tão duro e impositivo, imagine Hittler em francês, duvido que ele teria conseguido persuadir tantas pessoas. HÁ (que horror)


Mas aí teve um dia que eu não consegui contornar as coisas, era inverno, já estava escuro, estava chovendo e tínhamos que ir pros malditos campos de hockey, pro treino da mais velha, a mais nova não queria ir OBEVEO, mas ela não podia ficar sozinha em casa, eu tinha que cozinhar ainda, também não queria ir, estava todo mundo de mal humor e estávamos atrasadas também, que legal, a mais nova quis levar um guarda-chuva, porque eu ia ter que leva-las na bike com a caixa, enfim, enfiou a ponta do guarda-chuva no olho da outra e aí começou a briga, e eu gritava, elas gritavam uma com a outra, a mais nova com coração ferido porque tinha aberto o guarda-chuva exatamente pra proteger a irmã também, e a irmã com o olho fodido nem queria pensar nisso, e a chuva apertava, e a janta esperava, o tempo corria, o frio de lascar e eu já em combustão, uma decidiu que não ia mais e empacou no caminho e eu falava e minhas palavras pareciam emudecer pela noite fria, ecoavam nas paredes das casas da Spitfire, então em um súbito, sei lá o que me aconteceu, já que palavras não adiantavam, eu desci da bike, andei até o banco em frente de nossa casa e comecei a chorar, e chorar, e chorar e chorar mais, a mais nova desempacou na hora, sentou do meu lado e chorava junto tão alto quanto eu, a mais velha orgulhosa não chorou, apenas ficou de cara fechada querendo que eu parasse, e a chuva apertava e o frio também, e chorávamos....elas disseram tudo bem então, a briga se calou "Vamos Jenny, vamos..." e fomos, em silencio, pelo escuro, pelas ciclovias, luzes acesas, faces molhadas, cores desbotadas pelo frio.


Lembro que durante essa briga eu gritei bem alto "ainda bem que vou embora em três meses, eu não aguento mais vocês duas, serio" Elas nem conseguiram dizer coisa alguma.


Cara, a gente fala muita coisa estupida na hora da raiva, acho que nessas horas o mundo deveria congelar até a raiva passar, evitaria muitos momentos irreais e tristes como esses.


E até das brigas dá saudade.



quarta-feira, 11 de abril de 2012

.os empregos mais legais do mundo.

Quando se está fora de casa, viajando por onde for, você certeza vai conhecer muita gente, é uma rotatividade tremenda, e com certeza vai responder as mesmas perguntas muitas e muitas e muitas vezes : da onde você é, o que faz, o que faz aqui, gosta daqui, e bla bla bla. E você também, evidentemente irá fazer as mesmas perguntas, pra socializar, pra puxar aquele assunto inicial, dar aquele pontapé na sua vida social longe de casa que às vezes pode ser bem complicada, e se não der certo, você pode terminar sozinha e amargurada no seu quarto e se suicidar, ao menos acho que esse é o maior medo das hostfamilies que de inicio  tentam fazer você socializar com qualquer ser vivo com habilidades de comunicação, mesmo que básicas, que mora na sua rua ou passa na frente da sua casa. rs


Durante as perguntas algumas pessoas me entediavam enormemente, tudo que elas faziam era monossilábico e sem intensidade, porem outras pessoas me fascinavam ou simplesmente me deixavam muito pensativas, como aquele menino naquela festa estranha com gente esquisita no meu primeiro mês, que enquanto dançávamos salsa me disse que trabalhava com crianças com diferentes tipos de deficiências mentais e concluiu com "eu gosto, mas às vezes elas me batem", ainda dançando salsa.


Tiveram também o moço nas montanhas alsacianas que ensinava presidiários a cultivar seus próprios legumes, a galera de entrega com bicicletas rápidas (o fietsexpress, fiets= bike em holandês), o amigo que trabalhava fotografando turistas em barcos pelo Rio Sena, saindo da Torre Eiffel, a amiga que tentava montar sua própria companhia de teatro no coração de Marselha, o secretário do partido comunista de Luxemburgo (oi, comunistas em Luxemburgo, só moram dez pessoas em Luxemburgo quase, imagine comunistas rs), a menina que fazia chapéus, o cineasta parisiense, o organizador de festas hypes de Bruxelas, a cientista afro com cabelo de Amy Winehouse em Berlim vinda do Bronx que falava "hey dude what's up" e também tinham aquelas pessoas que não faziam nada, apenas esperavam o bonde,  porque na Europa tem pensão pra tudo quanto é coisa, depressão, estudo, falta de vergonha na cara, e o povo ainda reclama, ficava de besta.


A descrição do meu trabalho também não era a mais comum do mundo "sou paga para andar de bicicleta, tomar sorvete e pular na cama elastica, separar brigas e cantar pra dormir, basicamente isso"


Apesar de alguns contra-tempos na vida, é sempre bom ser pago pra ser feliz.









terça-feira, 3 de abril de 2012

.Bruxelas mon amour.

Leia ao som de Ne me quitte Pas - Jacques Brel


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Bruxelas, não sabia o que esperar de lá exatamente, sabia que Cortazar, o escritor portenho, gostava muito, mas imaginava como uma Paris menorzita, ia em época de páscoa, minha primeira viagem fora da Holanda desde o início daquela viagem, dois dias antes de embarcar ainda nem tinha lugar pra ficar, e assim de repente me apareceram dois, decidi dividir.
Um casal flamenco e outro francófono, os dois primeiros dias foram dedicados aos flamencos, ela era compositora e ele recém chegado na cidade, organizava festas alternativas e tinha bastante tempo pra me levar para passeios peculiares.
Quando desci na estação de metro do bairro deles foi uma loucura, era um bairro de concentração árabe e eu me senti chegando no oriente médio e não em uma cidade tão perto de Haia, era uma explosão de idiomas e sensações, os dois me receberam muito bem, moravam em uma ruazinha simpática no centro em um apartamento mais simpático ainda, Seb me levou para um passeio e logo nos primeiros passos eu fui me apaixonando por Bruxelas, com suas ruas com cheiro de chocolate, sebos e lojas culturais, batatas fritas em toda esquina e os saudosos waffles quentes com nutella derretendo em cima, ao chegar na Praça Central, elegi minha praça favorita em todo mundo, onde o som era diferente de qualquer lugar e onde Karl Marx tinha escrito partes do manifesto comunista, e som do acordeão em toda esquina, as ruas eram pra dançar.
Na minha primeira noite um jantar de família do casal flamenco, o holandês belga soava tão mais agradável que o holandês da Holanda, todos interessados pela minha presença, era uma família tão fácil de lidar, eu nunca me esqueço e a lasanha estava ótima, diga-se de passagem.
Em meus passeios Bruxelas se desenrolava como minha cidade favorita do lado oeste da Europa, existia um contraste entre o belo e o moderno, e graffites e um pouco de caos pro meu coração, eu fui na cinemateca quase todos os dias, podia ficar alí horas vendo cenas de Truffaut e Antoine Doinel quando criança, a mistura de idiomas na cidade me fascinava, e seus becos curiosos, Frida, a Kahlo também esteve lá, em uma exposição genialíssima, intimista onde me explodi de sentimentos. Teve também um mercado de pulgas mais inusitado, onde se vendiam até moedas do império romano e fotos de família já esquecidas no tempo, uma festa de nostalgia alheia. Na volta um açougue brasileiro, apinhado de conterrâneos e eu fiz Seb e Vanessa comerem croquetes feitos por mãos da terrinha. Quando me despedi deles pra ir pra outra casa, foi como me despedir de amigos próximos, tanto tínhamos conversado, especialmente antes de dormir, Vanessa cantou uma canção linda em seu violão pra mim e eu fiquei com aquele eterno desejo de um dia poder retribuir.
O casal francófono trabalhava muito, mas os dois eram as coisas mais fofas desse mundo e do próximo também, moravam em uma casarão mais afastado do centro com tantos andares e foram tão hospitaleiros que dava até vontade de acreditar na humanidade, o quintal era tão verde, tinha uma grama tão lisinha, me lembrava do Petter Rabbit, eu ficava  olhando pela janela do quarto e imaginando elfos e anões de gorro correndo pelos lados, dormia sorrindo. Meu último dia eu fui ver o museu do Brel, no centro e estava rolando uma exposição chamada "Eu amo os Belgas", pois é Brel, naquele ponto eu também já estava apaixonada por eles também. Querido Brel.
Claro que na volta pra Holanda eu me perdi no metro e assim perdi meu ônibus, aprendi que a Eurolines sempre atrasa, mas quando você está atrasado ela sai mais do que no horário, tentei correr atrás do ônibus mas não deu certo, claro, voltei de trem então, mas em realidade podia ter ficado uns dias à mais, uns meses talvez.

Definitivamente: Bruxelas mon amour!



Grande Place de Bruxelas

O mercado de Pulgas

quinta-feira, 22 de março de 2012

.o mundo dela.

Leia ao som de - The food is still hot - Karen O and the Kids


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A menina mais nova tinha um mundo, o quarto dela era um mundo, paredes coloridas com um papel de parede mágico, tantas coisas e detalhes e cores, era um dos lugares mais coloridos da Holanda e portanto eu me sentia muito bem naquele mundo, o da irmã era bem colorido também, porem esta não passava muito tempo lá e nem me convidava a passar tempo com ela com a mesma frequência que a mais nova fazia.


Quantas tardes passamos ali desenhando de tudo, ouvindo música, principalmente a do gorila alemão com oculos de sol, fazendo adesivos com a maquina de adesivos que dei pra ela de aniversario, fazendo cosquinhas, muitas delas, cabaninhas e cortes e colagens e de vez em quando, uma arrumação fajuta, pra fazer a mãe dela feliz. Ela geralmente sentava no meu colo pra desenhar, e eu ficava lá junto, sentindo o cheirinho doce de seus cabelos louros. Eu nem sou uma desenhista, faço bonecos palitos, mas ela me fazia sentir o máximo porque amava tudo que eu fazia, achava tudo incrível e seguia meu modelo logo em seguida, eu gostava de subverter as coisas, inverter cores pra incitar o lado critico dela e ela ia junto, desenhando pros lados contrários, criando uma liberdade no papel, e lá fora o dia holandês ia se esvaindo, às vezes com sol, às vezes com chuva, neve tambem, e o canal ia passando calmo, ou congelado, e eu continuava a sentir o cheiro doce de seus cabelos por todo ano, e a paz invadia meu coração todas às vezes, podia congelar aqueles momentos pra poder voltar toda vez que quisesse.


Claro também tínhamos conflitos no mundo dela, como quando ela não queria se vestir pra ir pro ballet, ou pro hockey, ou não queria deitar, ou não queria dormir de tarde quando estava doente, e os pais queriam que ela dormisse, mas tudo que ela sabia fazer era me chamar a cada cinco minutos e eu não conseguia nem ir ao banheiro direito, às vezes eu me pegava sendo a louca mais estressada das loucas pra fazer ela se vestir pro treino de hockey que assim como eu ela detestava, gritava com ela, e aí ela começava a se virar toda na cama colocando os pés pra cima e eu me matava pra tentar enfiar a calça de qualquer jeito e no fim a gente sempre acabava rindo de qualquer coisa. Como aquela menina sabia me fazer rir, ela tinha esse poder sobre meu riso que era incrível.


 Às vezes me via cansada da dependencia constante dela, mas hoje, exatamente agora eu daria tudo pra ouvir ela me chamando pra brincarmos em seu mundo colorido de novo, alongando os fonemas finais do meu nome, com seus dentinhos separados, se agarrando em minha cintura, colocando seus pés sob os meus enquanto cantavamos "I'm singing in the rain" :ó)
"I love you so so so much"




sexta-feira, 2 de março de 2012

.Yara.

Yara vinha às sextas e me abraçava com muita verdade, eu esperava aquele abraço a semana inteira.
Ela tomava seu café habitual e contava da sua semana, logo já tirava seus panos egípcios e iniciava a odisseia pra limpar aquela casa gigantesca e eu ia com pesar começar a passar a pilha de camisas do pai da casa, odeio passar roupa e Yara às vezes queria ajudar.
A gente ficava rindo e conversando pelos corredores, mais tarde eu lavava minha roupa e tentava organizar a zona do meu quarto um pouquinho, ela ria de mim.
Ao meio dia era hora do almoço, sempre almoçávamos juntas, ela quase sempre trazia coisas de casa, eu guardava os restos do jantar especialmente pra isso, e faziamos uma junção de tudo e ficava aquele almoço mais árabe e mais brasileiro, nada de pão com manteiga apenas como fazem os holandeses, ficava tão especial que começamos a convidar a mãe da casa para almoçar conosco e nossos almoços viraram tradição na casa.
Yara ria e ria e sorria, falava inglês misturado com holandês misturado com árabe e eu amava ouvi-la falar.
Dançava e ouvia suas músicas árabes que ecoavam por toda casa, me fazia rir e rir e sorrir, às vezes deitava um pouquinho na minha cama, sempre confessava que não fazia os rituais da sua religião, nem rezava mais, dizia que a vida no ocidente não lhe permitia, eu a chavama de "bad muslim" e ela ria mais.
Ela me chamava de querida, ao partir sempre vinha me dar um beijo terno, no rosto, ou no pescoço, e eu depois de um tempo, comecei a misturar holandes com inglês e nos entendiamos mais e mais, daquela forma meio torta, mas com Yara aprendi que gestos falam tão mais alto.
Teve dias que as histórias foram tristes,nem sempre era fácil ser muçulmana trabalhadora vivendo no ocidente e nem ser brasileira latina pobre vivendo na casa de holandeses tradicionais, mas por toda sorte do mundo, eu tive a Yara.
Em sua casa tudo era tão verdade, o cheiro de comida dançava pela casa, suas filhas, Bisan e Ranin, não me entendiam muito mas nos divertíamos tanto sem necessidade de palavras, comíamos tanto e tudo era feito pelas mãos, sem maquinas pra tudo, como na casa holandesa, eu sentia tanta falta dessa verdade.
Em nossa despedida Yara foi forte, eu não, chorei sem conseguir disfarçar, chorei de uma dor que vinha de um profundo tão imenso e a vi partir, seguindo a pé até o tram. Queria poder abraça-la de novo, ainda mais agora que espera um terceiro filho, queria ouvi-la rir de mim e fazer aqueles sons do Egito.


Yara eu ainda vou conseguir fazer o Ramadan pra me lembrar mais vivamente ainda de você, mas ano passado não consegui.
Te amo muito pra sempre.
Última vez na casa dela