quinta-feira, 19 de março de 2015

Jamal e a flor

Fomos toda a família pra igreja do bairro, acho que foi a última vez que fui a igreja na vida.
O motivo era certo:  missa pra inciar os trabalhos de catecismo de Amber.
Havíamos passado uma manhã inteira juntas aquela semana, para fazermos uma flor de papel com uma foto dela ao meio, era uma lição de casa da primeira semana de sua catequese, seria usada na igreja, diziam.
Fizemos uma flor colorida, tamanho médio, com uma foto exibindo seus grandes dentes brancos, ela estava feliz e orgulhosa, eu também estava.
Entrei na igreja com carinho por Amber, as igrejas holandesas de tijolos avermelhados, piso muito claro, madeira das colonias, tinha um coral de crianças louras e mais muitas cabeças louras naquele mar holandês nos acentos a frente.
O padre tinha aquela aparência de todo padre, simpático tentando ao máximo ser engraçado com crianças mesmo que com pouco sucesso - Amber não riu muito e ela sabia rir de coisas realmente engraçadas, tanto quanto ela era.
O coral cantava lindo, era emocionante mesmo de ouvir e como em todo evento naquela minha vida de país baixo, ver a Amber fazendo qualquer coisa, ou a Hanna, sempre trazia lágrimas aos olhos, porque tudo tinha um sabor amargo e doce de única vez e era sempre um constante adeus irreparável e insolúvel de todas as coisas.
O momento da flor então chegou, o padre ia chamando o nome das crianças, uma por uma e elas deixavam suas famílias para ir até o altar, entregavam a flor que o padre colocava em um grande vaso e respondiam algumas perguntas aleatórias sobre suas vidas. Amber ficou tímida, as bochechas avermelharam.
E no meio de todos aqueles nomes holandeses - Rosalie, Luuk, Lisa, Tim, Lars, Roos - o padre chamou um nome diferente - Jamal, Jamal... Jamal.
Jamal demorou um pouco para responder, estava sentado no fundo da igreja, no último banco, com a única família negra em toda visão. Ele caminhou em direção ao altar de forma compassada e rítmica, com seus cabelos trançados, arrancando olhares curiosos; a flor de Jamal era a maior flor de todas as flores, possível daquela missa de catecismo e todas as outras anteriores, era uma flor linda, realmente gigante, redonda, de pétalas multicolores, cores vivas, vibrantes e fortes, uma foto bem grande dele ao meio.

A flor de Jamal cobriu todas as outras flores, tinha pouco vaso para todas aquelas cores em dança excentrica de amarelo, vermelho, verde e roxo.

Ela, em toda sua efemeridade, em toda sua saudade.
Era livre.