quarta-feira, 15 de março de 2017

adeus suco de laranja inimaginável

Eu demorei uma semana, talvez um mês, para terminar minhas malas e arrumar o quarto pra garota colombiana que me substituiria na Spitfire numero 5.
Era tanta tranqueira eu havia acumulado em um ano que dava até medo, fazia o processo sempre pelas noites para as meninas não verem, porque era sempre doloroso Amber perguntando o que eu estava fazendo, ela gostava de fingir eu não iria embora. Hanna durona fazia descaso, era a forma dela de aceitar a situação sem sentir dor.
A primeira despedida foi da Iara, ela me pediu pra não chorar, me abraçou muito e muito forte, beijou meu ombro como sempre fazia, não olhou pra trás, a vi virar a esquina com seu véu marrom cobrindo a cabeça, lágrimas molhando a escrivaninha.
Tivemos um jantar de despedida, onde eu cozinhei algo brasileiro e apresentei danças brasileiras no projetor, tentei discursar não consegui, dancei essas danças e ainda posso lembrar dos olhos deles que não desviaram nem um segundo.
O ultimo dia foi estranhamente feliz porque seguíamos fingindo nada estava acontecendo, comemos juntos como sempre, dividimos a torta de maça com chantilly como de costume.
Era então hora de partir, parecia íamos pra um passeio mas não era, Hanna continuava durona e fazendo piadas "você nunca mais vai ver esse quarto pois bem"
Fechei a porta do quarto, branco sem todas minhas fotos espalhadas e o olho embotou em lagrimas, tentei nao chorar. Hanna continuava sendo durona, Amber já tinha o olhar triste.
Entramos no carro, Mark colocou as direções pro aeroporto no gps, apertamos sinto, eu entre as duas, Kelsey, grande amiga, no banco de trás, Suzanne no banco do passageiro.
Começamos a partir e eu fiquei vendo a casa desaparecer sem parar de olhar um segundo, ai viramos a rua e a casa sumiu, eu voltei meu olhos pra dentro do carro e olhei pra elas, olhei pra Hanna e vi o olhar durão havia desaparecido, ela começou a chorar, eu comecei a chorar, Amber começou a chorar, Kelsey e Suzanne, Mark fez silencio.
Choramos sem parar as exatas uma hora e meia de trajeto ate Schiphol, Hanna chorava tanto, soluçado, doído, eu apoiava meu queixo na cabeça dela e mantive a outra mão acalentando Amber, chorei tanto quase não conseguia enxergar os moinhos de vento, os campos de tulipa e o céu cinza de sempre, nenhuma palavra foi dita, a gente só chorou sem intervalos, eu acho nunca experimentei aquele sentimento de novo, era absurdamente triste ao mesmo tempo que era belo, eram 365 dias girando no estomago, pesando nos ombros, invadindo as frestas todas, era um amor tão absurdo por elas que eu nunca pude verbalizar, por Kelsey e Suzanne, mulheres que me deram força tantas vezes não pude contar.
No aeroporto descontraímos um pouco e brincamos novamente como se eu não estivesse partindo, tiramos uma ultima foto e chegou o doloroso momento da despedida final, passar pra sala de embarque adeus
Elas gritavam, me agarravam, foi tão difícil, as pessoas ao redor tentaram consolar, passei o detector de metais e coloquei as mãos no joelho procurando folego, olhei pra trás e vi a cena triste das mãos que acenavam, olhos e caras vermelhas de choro, parti do campo de visão pois tinha medo do coração parar sei lá.
Os dias que seguiram e até hoje eu só lembro do que foi bom, os dias cinzas, os dias de cama e febre com saudade de casa, os dias de neve sem fim, o frio cortante, a birra das meninas, as tretas loucas de criança, as pilhas de roupa e a comida horrível, os contar de moedinha, pobreza, lanche ruizão d burger king, eu esqueci tudo e só sentia saudade, coração humano meio ridículo, só lembrei de bicicletas, noites raras quentes de verão, as viagens madrugueiras, o sol partindo as onze da noite, tardes no trampolin, torta de maça, chocomel, bitoquinhas no nariz, presentes de natal e vinhos depois das onze, só lembrei das comidas tailandesas, dos dias infernais indo pro centro de esportes debaixo de neve e trams parados, só lembrei da gente patinando no gelo e essa sou eu, Jenny até hoje, prazer!

Nunca mais os vi, havia uma promessa sempre, dinheiro nunca houve.

Nunca mais.

Mas seguem as cartas e presentes no natal, as mensagens, os áudios, as noticias, cada dia com mais espaço, menos choro, menos saudade, mas fica, muita coisa fica, todo dia uma pequena lembrança diferente, pra sempre.

E naquele ultimo voo de volta eu pedi tudo em holandês, isso me deixou ridiculamente feliz, inclusive o famigerado suco de laranja inimaginável
SINAASAPPELSAP  ALSJEBLIEFT !!!
Goodbye! Sleep well!


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