domingo, 6 de maio de 2012

sombra de pernas e aros

Leia ao som de Andvari - Sigur Rós

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Em dia ocioso de sol, minha bicicleta vermelha e eu eramos inseparáveis, com ela eu descia pro lado direito, e direito outra vez, caía na ciclovia que encontrava de fundo com nossa casa, seguia pro esquerdo, passava pela pequena fazenda e suas ovelhas gordas de olhar curioso, adentrava o mundo paralelo do centro de reabilitação para pessoas com necessidades especiais, sempre cruzava um ou outro interno em suas bicicletas tão especiais quanto eles, eles sempre me diziam um olá fascinado, seguia, pegava a rua de casas ponteadas, assim como a Holanda era nas pinturas de minha infância, com direito a estatuas de campesinos e moinhos em miniatura, às vezes descia a ciclovia a esquerda, mesmo caminho pros campos de hockey, e foi lá que pela primeira vez consegui pedalar sem nenhuma das mãos, com ajuda do vento, mas na maioria das vezes apenas seguia em frente e então as casas terminavam e me encontrava em um mundo onde existiam apenas eu, a ciclovia, a bicicleta, vastos campos verdes, a sombra do meu pedalar entre aros refletida no chão, minhas canções, meus devaneios, a eloquência dos sonhos, a incompreensão do existir efêmero em tantas partes, de risos ecoados por toda cidade, de lágrimas com cor de travesseiro, medos e anseios cuspidos entre ausencia de cores, excesso de sentidos, epifanias atravessadas no nó na garganta e novas versões de mim em cada tintilar dos aros de minha bicicleta. Entrava então na ciclovia ladeada de altas e frondosas árvores, creio que minha ciclovia favorita em todo país, raios de sol entre a folhagem, me faziam acreditar na belevolencia do estado das coisas. Não consigo me lembrar de sensação de liberdade, de isenção, permissão de mim para mim mesma mais real do que essa, até hoje se fecho os olhos ainda posso ver, ainda posso ver, ainda posso...ainda.


um dia de fotos em Nootdorp



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