terça-feira, 24 de abril de 2012

eu sentei e chorei, então.

Crianças, esta aí uma coisa complicada de entender, o mundo delas é muito avesso ao nosso, é preciso descer muitos degraus na realidade pra assimilar, elas brigam por coisas aparentemente muito estupidas, mas aí temos que nos colocar no lugar delas, entender que sim, sentar no bichinho de pelúcia é um crime horrendo, criar favoritismos bestas, por qualquer detalhe é uma crise de horas, sentar do lado de uma e não de outra pode desencadear a próxima guerra mundial ou coisa que o valha.


Minhas kids holandesas brigavam por praticamente tudo, ainda mais na época da escola, acho que elas descontavam todas frustrações brigando uma com a outra, no começo era ainda mais difícil, elas descontavam a frustração de terem uma nova au pair que nem iam muito com a cara em discussões completamente sem fundamento, certeza pra fazer a minha vida mais difícil, afinal eu estava no lugar daquela que elas já gostavam tanto.


Eu pensava que em algum momento seria fácil lidar com essas brigas, que um dia eu estaria sobre controle de tudo, mas isso era uma ilusão, cada briga tinha uma natureza diferente, e em todas eu tinha que resolver de forma diferente, esta certo que usar a televisão dava muito certo, ou premiações em doce, mas muitas vezes nem isso. O que aconteceu no entanto depois de um tempo era que eu já discutia com elas de uma forma mecânica, sabia tudo que ia acontecer, e quando elas brigavam fazia de tudo pra elas se entenderem, pois apesar de todo ódio cuspido no momento de raiva, o amor entre elas era inimaginável, quando eu aprendi a falar holandês ficou ainda mais divertido, brigar em holandês é o supra sumo da briga, impor regras e tudo isso, você se sente the king of the world, porque o idioma é tão duro e impositivo, imagine Hittler em francês, duvido que ele teria conseguido persuadir tantas pessoas. HÁ (que horror)


Mas aí teve um dia que eu não consegui contornar as coisas, era inverno, já estava escuro, estava chovendo e tínhamos que ir pros malditos campos de hockey, pro treino da mais velha, a mais nova não queria ir OBEVEO, mas ela não podia ficar sozinha em casa, eu tinha que cozinhar ainda, também não queria ir, estava todo mundo de mal humor e estávamos atrasadas também, que legal, a mais nova quis levar um guarda-chuva, porque eu ia ter que leva-las na bike com a caixa, enfim, enfiou a ponta do guarda-chuva no olho da outra e aí começou a briga, e eu gritava, elas gritavam uma com a outra, a mais nova com coração ferido porque tinha aberto o guarda-chuva exatamente pra proteger a irmã também, e a irmã com o olho fodido nem queria pensar nisso, e a chuva apertava, e a janta esperava, o tempo corria, o frio de lascar e eu já em combustão, uma decidiu que não ia mais e empacou no caminho e eu falava e minhas palavras pareciam emudecer pela noite fria, ecoavam nas paredes das casas da Spitfire, então em um súbito, sei lá o que me aconteceu, já que palavras não adiantavam, eu desci da bike, andei até o banco em frente de nossa casa e comecei a chorar, e chorar, e chorar e chorar mais, a mais nova desempacou na hora, sentou do meu lado e chorava junto tão alto quanto eu, a mais velha orgulhosa não chorou, apenas ficou de cara fechada querendo que eu parasse, e a chuva apertava e o frio também, e chorávamos....elas disseram tudo bem então, a briga se calou "Vamos Jenny, vamos..." e fomos, em silencio, pelo escuro, pelas ciclovias, luzes acesas, faces molhadas, cores desbotadas pelo frio.


Lembro que durante essa briga eu gritei bem alto "ainda bem que vou embora em três meses, eu não aguento mais vocês duas, serio" Elas nem conseguiram dizer coisa alguma.


Cara, a gente fala muita coisa estupida na hora da raiva, acho que nessas horas o mundo deveria congelar até a raiva passar, evitaria muitos momentos irreais e tristes como esses.


E até das brigas dá saudade.



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