domingo, 24 de abril de 2011

.zdravo!.


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Era uma rua tão estreita, no lado turco da cidade, nada longa e até hoje ainda me pego pensando em quantos universos ela era separada.
O primeiro barracão que Dominique me levara, ainda herança do terremoto de 63, abrigava a sede da escola de danças folclóricas macedônias. 
Fomos muito bem recebidos, Dominique era muito influente nos meio culturais e socio-politicos de Skopje, e logo fomos afetuosamente convidados para assistir ao ensaio que a pouco começara.
Uma banda marota tocava as canções todas ao vivo, canções que cerca de quarenta homens e quarenta mulheres cantavam com uma força que fazia o coração bater mais forte, e com passos de danças ensaiados que me prenderam o olhar, não conseguia desviar, principalmente quando os homens pulavam muito alto e rodopiavam e pulavam novamente e cantavam com uma precisão fascinante.
Cantavam musicas em principal em idioma macedonio, por vezes albanês e até mesmo em linguagem roma. O mestre, um senhor de cabelo ralo, era rigido ao mesmo tempo que era terno e paternal, sorria em nossa direção com freqüência, um sorriso extremamente acolhedor e modesto.
Logo depois do ensaio macedonio, saimos e paramos no barracão ao lado, era o ensaio de dança das crianças turcas, não tinham uma banda, tinham um aspecto mais simples e fizeram questão de mostrar a estrangeira que vinha de tão longe sua dança mais bonita, toda cantada em árabe com dança sutil e leveza de mãos, uma criança linda não me desviava o olhar curioso, e não pode entender nada do que eu disse naquela noite de lua tão cheia e sincera na capital da Macedônia. Deixei a rua, onde tantos conflitos étnicos e morais coexistiam, aparentemente em paz, atraves das canções.
Era hora de voltar pra casa, eu sempre cumprimentava os taxistas em seu idioma, e isso me reservava uma alegria muito singela e particular.
Em casa, eu e Dominique tomamos sopa de abóbora e algumas boas doses de rakia, a bebida alcoólica mais popular dos balcãs, conversamos sobre a vida, sobre paixões, amores, e ela tinha tantas historias incríveis, que eu deveria ter gravado tudo para fazer um filme um dia.
Nunca vi 65 anos mais cheios de plena juventude como os anos de Dominique, dentro de sua sala ornada pelas aquarelas que fazia diariamente seu pai, nunca vi tanta intensidade dentro de olhos cansados por um corpo frágil, nas entrelinhas das saudades, nas dores das despedidas, de tantos homens, tantas mulheres e tantas linhas escritas pro infinito.
Daquele papo nascia uma cumplicidade que eu mesma nunca ousei tentar verbalizar até agora, em nossos olhos refletiam tantas inquietações comuns, tantos abraços partidos e sonhos, naquela noite, soprando pelos ventos balcânicos.


Foram apenas três dias, mas a melancolia do adeus foi assustadoramente verdadeira.




Skopje, lado turco, outono 2010

Um comentário:

Unknown disse...

:)
Eu amo seus textos quelida